A Genética por Trás da Neurofibromatose Tipo 1

Por Equipe NF1 Study Hub|Publicado em 15 de setembro de 2025

Abstract#

A Neurofibromatose Tipo 1 (NF1) é uma doença genética autossômica dominante com penetrância praticamente completa, porém marcada por ampla expressividade fenotípica. Seu determinante molecular é o gene NF1 (17q11.2), que codifica a neurofibromina, um regulador negativo da via RAS/MAPK. Mutações no gene NF1 resultam em perda funcional da neurofibromina, promovendo ativação constitutiva de sinalização, proliferação celular anômala e predisposição tumoral. Complementarmente, eventos somáticos (“second hit”) e mosaicismo germinativo/somático contribuem para a variabilidade clínica. Este artigo revisa a função fisiológica da neurofibromina, os principais tipos de mutações descritas e a correlação genótipo-fenótipo, adicionando estratégias diagnósticas modernas e implicações terapêuticas.

Introdução#

O gene NF1 é um dos maiores do genoma humano, com ~350 kb e >60 éxons codificantes, e exibe splicing alternativo com isoformas tecido-específicas. A elevada taxa de mutações de novo (~50%) relaciona-se ao grande tamanho gênico e a hotspots mutacionais, contribuindo para o amplo espectro de variantes patogênicas. Embora a penetrância seja considerada muito alta ao longo da vida, a expressividade é notavelmente variável e influenciada por:

  • (i) tipo e localização da variante (efeito nulo vs hipomórfico),
  • (ii) mosaicismo (fração de células portadoras da variante),
  • (iii) eventos somáticos tumor-específicos (perda do alelo remanescente/LOH, mutações adicionais),
  • (iv) modificadores genéticos/epigenéticos e fatores ambientais.

Função da neurofibromina#

A neurofibromina atua como proteína supressora tumoral com atividade GAP para RAS, acelerando a conversão RAS-GTP → RAS-GDP e atenuando a via RAS/MAPK. A perda ou disfunção de neurofibromina leva à hiperativação de RAS e, secundariamente, à proliferação aumentada, alterações de ciclo celular e diferenciação, explicando a predisposição a tumores (neurofibromas cutâneos e plexiformes, gliomas ópticos, entre outros).
Extensões funcionais importantes (sem alterar seu núcleo):

  • Integração com outras vias (PI3K/AKT/mTOR, cAMP/PKA) e regulação pós-traducional (fosforilação, ubiquitinação) modulam a estabilidade/atividade da proteína.
  • Splicing alternativo (p.ex., inclusão/ exclusão de exons regulatórios) confere diversidade funcional e pode explicar fenótipos distintos com variantes semelhantes.
  • Papel neurocognitivo: evidências de envolvimento em plasticidade sináptica, migração neuronal e organização do citoesqueleto sustentam as dificuldades cognitivas presentes em subgrupos de pacientes.

Tipos de mutações no gene NF1#

Mais de 3.000 variantes distintas já foram descritas em NF1. Mantendo sua lista original e aprofundando a leitura funcional:

  • Nonsense → geram proteínas truncadas; com frequência ativam NMD (degradação do mRNA), resultando em perda total de função.
  • Missense → substituições aminoacídicas; podem afetar domínios críticos (p.ex., domínio GAP) ou interfaces proteína-proteína; nem todas equivalem a perda total (efeitos hipomórficos, instabilidade, alteração de interação).
  • Splicing (junção) → alteram processamento do pré-mRNA, levando a exon skipping, inclusão de éxons crípticos ou retenção intrônica; a análise de RNA/cDNA frequentemente é decisiva para classificar essas variantes.
  • Pequenas deleções/insersões (indels) → muitas vezes com frameshift e parada prematura; quando in-frame, o efeito depende do domínio afetado.
  • Deleções de grande porte (microdeleções, >1 Mb) → frequentemente removem NF1 e genes vizinhos; associam-se de forma consistente a fenótipos mais graves (neurofibromas plexiformes extensos, displasias ósseas, déficits cognitivos, macrocefalia e maior risco de transformação maligna).
  • Mosaicismo (germinativo/somático) → a variante está presente em subpopulações celulares; pode gerar quadros segmentares ou expressões discretas e reduzir o rendimento diagnóstico quando apenas sangue é testado.

Nota de rigor: “tipo de mutação” não basta para predizer o fenótipo. Localização (regiões funcionais), efeito residual (nulo vs hipomórfico), splicing adjacente e contexto biológico (mosaico, modificadores) são determinantes.

Discussão#

Confirmação diagnóstica e estratificação
A análise molecular de NF1 é central para confirmar casos clínicos duvidosos e fornecer elementos de estratificação de risco, sem prometer predição perfeita. Microdeleções tendem a cursos mais graves; missense podem associar-se a espectros menos severos, com muitas exceções. Variantes de splicing demandam validação em RNA.

Genótipo–fenótipo: o que sustenta vs. o que é incerto

  • Sustenta: microdeleções (deleção de NF1 + genes vizinhos) correlacionam-se com maior gravidade fenotípica; alguns hotspots e grupos de variantes (p.ex., certos saltos de éxon) mostram tendências fenotípicas.
  • Incerto: a utilidade preditiva ampla ainda é limitada por heterogeneidade clínica, idade-dependência das manifestações, mosaicismo não detectado e modificadores genéticos/epigenéticos. Na prática, correlações guiam vigilância, mas não substituem acompanhamento clínico abrangente.

Diferenciais e fenocópias
A síndrome de Legius (SPRED1) mimetiza aspectos pigmentares de NF1 (máculas café-com-leite, sardas axilares/inguinais) sem a mesma predisposição tumoral. Painéis multigênicos e abordagem stepwise (NGS + MLPA + RNA) evitam rótulos incorretos.

Modelo “two-hit” e progressão tumoral
Lesões neoplásicas em NF1 (neurofibromas, gliomas) frequentemente mostram perda somática do alelo remanescente (loss of heterozygosity ou mutação somática adicional), alinhando-se ao modelo de genes supressores tumorais.

Diagnóstico molecular – caminhos práticos (sem mudar seu escopo original)

  1. NGS (exoma/painel) para SNVs/indels; 2) MLPA/CNV para grandes deleções; 3) RNA/cDNA quando splicing é suspeito; 4) Amostragem de tecido (pele lesional/tumor) quando há forte suspeita clínica e sangue é negativo; 5) Classificação de VUS com base em peso de evidências (computacional + co-segregação + função).

Aconselhamento genético
Risco de transmissão ~50% para indivíduos afetados não mosaico. Em mosaicos, o risco depende do grau de comprometimento germinativo; é crucial discutir incertezas com transparência.

Implicações terapêuticas (sem expandir além do necessário)
A hiperativação de RAS/MAPK fornece base biológica para inibidores de MEK (p.ex., selumetinib) em neurofibromas plexiformes sintomáticos pediátricos. Estão em estudo combinações racionais (PI3K/AKT/mTOR) e estratégias emergentes (modulação de splicing/terapias de RNA) para subgrupos específicos.

Conclusão#

O entendimento da genética da NF1 evidencia a complexidade da condição, caracterizada por alta taxa de mutações, heterogeneidade molecular e expressividade clínica variável. Sem alterar o núcleo do seu texto, reforçamos:

  • (i) a função GAP da neurofibromina na atenuação de RAS/MAPK;
  • (ii) a diversidade mutacional (incluindo microdeleções, splicing e mosaicismo) como motores da variabilidade;
  • (iii) correlações genótipo–fenótipo úteis porém limitadas para prognóstico individual;
  • (iv) a importância de NGS + MLPA + RNA e busca ativa de mosaicismo;
  • (v) implicações terapêuticas já validadas (MEK inhibitors) e linhas promissoras.
    A integração rotineira de testes moleculares à prática clínica favorece o manejo individualizado, sem prometer certezas onde a evidência ainda é probabilística.