NF1: Raridade, Complexidade Clínica e Perspectivas de Tratamento

Por Equipe NF1 Study Hub|Publicado em 5 de julho de 2025

Introdução#

A Neurofibromatose Tipo 1 (NF1) é uma doença genética rara e multissistêmica, com prevalência global estimada entre 1:2.500 e 1:3.000 nascidos vivos, o que a torna uma das condições monogênicas mais comuns entre as doenças raras. Sua herança é autossômica dominante, com penetrância quase completa e taxa de mutações de novo de aproximadamente 50% dos casos.

Apesar de sua frequência relativamente baixa, o impacto clínico é elevado devido à variabilidade fenotípica e à ampla gama de manifestações — cutâneas, neurológicas, esqueléticas, oculares e cognitivas. Essa heterogeneidade torna o diagnóstico precoce desafiador e o manejo clínico complexo, exigindo a atuação coordenada de centros de referência multidisciplinares especializados em doenças genéticas e neurocutâneas.


Descoberta e evolução histórica#

A NF1 foi descrita pela primeira vez em 1882 por Friedrich Daniel von Recklinghausen, que identificou a relação entre tumores cutâneos múltiplos e alterações ósseas displásicas, batizando o quadro de “doença de von Recklinghausen”.

No século XX, a caracterização clínica foi gradualmente refinada, culminando nos critérios diagnósticos oficiais do NIH (1987), que permanecem como base diagnóstica até hoje, ainda que revisados em 2021 para incorporar achados moleculares.

O avanço da biologia molecular e das técnicas de sequenciamento no final do século XX levou à identificação do gene NF1 no cromossomo 17q11.2, responsável por codificar a neurofibromina, uma proteína supressora tumoral que regula negativamente a via RAS/MAPK. Essa descoberta consolidou o entendimento da NF1 como uma rasopatia, isto é, um distúrbio de sinalização celular decorrente da disfunção de proteínas reguladoras da via RAS.

A partir daí, estudos genômicos ampliaram o espectro de mutações conhecidas — hoje superiores a 3.000 variantes — e revelaram que mosaicismo, mutações de splicing e microdeleções desempenham papel fundamental na diversidade fenotípica.


Complexidade clínica#

A NF1 manifesta-se de forma extraordinariamente heterogênea, mesmo entre indivíduos com a mesma mutação. Essa variabilidade é explicada por uma combinação de fatores genéticos, epigenéticos e somáticos (como perda do alelo remanescente in situ).

As manifestações típicas incluem:

  • Manchas café-com-leite (hiperpigmentação cutânea difusa);
  • Sardas axilares e inguinais;
  • Neurofibromas cutâneos e plexiformes, que podem causar desfiguração ou compressão nervosa;
  • Gliomas do nervo óptico;
  • Displasias ósseas (pseudartrose da tíbia, escoliose distrófica);
  • Nódulos de Lisch (hamartomas de íris);
  • Déficits cognitivos e de aprendizado.

A complexidade clínica da NF1 exige acompanhamento contínuo e individualizado, com protocolos de vigilância adaptados à idade e às manifestações predominantes.
O seguimento ideal envolve avaliações regulares em múltiplas especialidades — neurologia, dermatologia, oftalmologia, ortopedia, oncologia e genética médica — além de apoio neuropsicológico e monitoramento radiológico periódico para detecção precoce de complicações.


Tratamentos atuais e perspectivas terapêuticas#

Atualmente, não existe cura definitiva para a NF1. O manejo terapêutico é sintomático, preventivo e multidisciplinar, voltado à detecção precoce e ao controle das complicações.

Abordagens terapêuticas consolidadas#

  • Cirurgia
    Utilizada para remoção de neurofibromas sintomáticos, desfigurantes ou compressivos. Apesar de necessária em muitos casos, a recorrência é frequente, especialmente em tumores plexiformes difusos.

  • Terapias farmacológicas
    O principal avanço das últimas décadas foi a aprovação dos inibidores de MEK, em especial o selumetinibe, que demonstrou eficácia em reduzir o volume de neurofibromas plexiformes inoperáveis em crianças e adultos jovens, melhorando dor e função.
    Ensaios clínicos em andamento investigam outras drogas-alvo (p.ex., trametinibe, mirdametinibe) e combinações com inibidores da via PI3K/AKT/mTOR.

  • Tratamento ortopédico e fisioterápico
    Voltado à correção de deformidades esqueléticas (como escoliose distrófica) e à prevenção de perda funcional.

  • Apoio psicossocial, educacional e neurocognitivo
    Parte essencial do tratamento, atuando sobre o impacto emocional e o comprometimento cognitivo, frequente na NF1 pediátrica.

Perspectivas emergentes#

O campo de pesquisa evolui rapidamente em três frentes:

  1. Terapias-alvo combinadas
    Exploram inibidores múltiplos da via RAS/MAPK e reguladores de sinalização downstream (p.ex., MEK + mTOR).
  2. Terapias de RNA e modulação de splicing
    Buscam corrigir variantes específicas de NF1 que alteram o processamento do RNA mensageiro.
  3. Terapias gênicas e edição CRISPR/Cas9
    Embora ainda em estágios experimentais, estudos in vitro e in vivo indicam viabilidade parcial de restauração da função de neurofibromina em modelos celulares.

Essas abordagens sinalizam uma transição da terapia puramente sintomática para intervenções moleculares personalizadas, fundamentadas no genótipo do paciente.


Conclusão#

A Neurofibromatose Tipo 1 representa uma condição genética rara, porém de grande impacto clínico e social, cuja história científica atravessa mais de um século — da descrição morfológica por von Recklinghausen ao entendimento molecular da via RAS/MAPK.

A ausência de cura definitiva é compensada por avanços notáveis no manejo multidisciplinar, no diagnóstico genético de alta resolução e, sobretudo, no desenvolvimento de terapias-alvo que modificam a história natural da doença.

O futuro do tratamento da NF1 está na integração entre genômica, terapias de precisão e vigilância personalizada, sustentada por colaboração entre pesquisa básica, clínica e centros de referência.

Em síntese, a NF1 é um paradigma de como uma doença rara e complexa pode, através da ciência translacional, abrir caminhos para uma medicina de precisão aplicável também a outras rasopatias e tumores de sinalização celular.


Referências essenciais#

  1. Korf BR, Radtke HB. Neurofibromatosis type 1 (NF1). GeneReviews®, University of Washington, Seattle, 2023.
  2. Gross AM et al. Selumetinib in Children with Inoperable Plexiform Neurofibromas. N Engl J Med. 2020;382:1430-1442.
  3. Messiaen L, Evans DG et al. NF1 microdeletion syndrome: genotype–phenotype correlations. Front Genet. 2021;12:673025.
  4. NIH Consensus Development Conference. Neurofibromatosis: Conference Statement. Arch Neurol. 1988;45(5):575-578.
  5. Tadini G, Legius E. Clinical and Molecular Diagnosis of NF1: update and perspectives. Orphanet J Rare Dis. 2024;19:47.