Doenças e Predisposições Secundárias Associadas à Neurofibromatose Tipo 1 e à Escoliose Distrófica Grave

Por Equipe NF1 Study Hub|Publicado em 9 de outubro de 2025

Abstract#

A Neurofibromatose Tipo 1 (NF1) é uma síndrome genética autossômica dominante de penetrância completa e expressividade variável, causada por mutações no gene NF1 (17q11.2), responsável pela síntese da neurofibromina, uma proteína supressora tumoral reguladora negativa da via RAS/MAPK.

Essa condição confere predisposição ao desenvolvimento de múltiplas manifestações tumorais, esqueléticas, neurológicas e sistêmicas. Entre as manifestações musculoesqueléticas, destaca-se a escoliose distrófica, caracterizada por deformidade angular curta, displasia vertebral, ectasia dural e instabilidade estrutural progressiva.

O presente artigo discute, sob enfoque técnico e científico, as doenças associadas e predisposições secundárias decorrentes dessa associação — abrangendo aspectos oncológicos, neurológicos, ortopédicos, cardiovasculares, respiratórios e metabólicos — correlacionando os mecanismos patogênicos com as manifestações clínicas e prognósticas.


1. Introdução#

A NF1, também conhecida como doença de von Recklinghausen, possui prevalência aproximada de 1:3.000 nascidos vivos, sendo uma das genopatias mais frequentes do sistema nervoso [Ferner et al., 2007].

A mutação do gene NF1 leva à deficiência de neurofibromina, que atua como GTPase-activating protein (GAP) para RAS, resultando em ativação constitutiva da cascata RAS–RAF–MEK–ERK, promovendo proliferação celular descontrolada [Ratner & Miller, 2015].

A escoliose distrófica, presente em 10–20% dos pacientes com NF1, decorre da displasia óssea e instabilidade vertebral induzida por deformidades estruturais e remodelamento ósseo secundário à ectasia dural [Tsirikos, 2012].

Esse conjunto de anomalias configura um estado sistêmico de vulnerabilidade anatômica e fisiológica, predispondo a uma ampla gama de comorbidades.


2. Doenças e Predisposições Secundárias Associadas#

2.1 Complicações Oncológicas#

Pacientes com NF1 apresentam risco 5 a 10 vezes maior de neoplasias malignas em comparação à população geral [Ferner & Huson, 2007].

Entre as principais:

  • Tumor Maligno da Bainha do Nervo Periférico (MPNST): ocorre em 8–13% dos indivíduos com NF1 e representa a principal causa de morte relacionada à doença [Evans et al., 2012]. Resulta de transformação maligna de neurofibromas plexiformes e associa-se a mutações adicionais em TP53 e CDKN2A.
  • Gliomas ópticos e astrocitomas pilocíticos: geralmente de baixo grau, porém podem causar déficit visual progressivo ou compressão quiasmática.
  • Feocromocitoma e paraganglioma: tumores neuroendócrinos associados à hiperativação catecolaminérgica.
  • Leucemia mielomonocítica juvenil (JMML): rara, porém classicamente associada à disfunção da via RAS/MAPK.

Essas manifestações reforçam o caráter cancerogênico sistêmico da NF1, justificando vigilância contínua com RM e WBMRI.


2.2 Comprometimento Neurológico#

As manifestações neurológicas incluem desde neuropatias periféricas até déficits cognitivos:

  • Neuropatia compressiva: infiltração nervosa por neurofibromas plexiformes, levando a déficits motores e sensoriais progressivos.
  • Epilepsia e alterações cognitivas: presentes em até 20% dos casos, associadas a displasias corticais e distúrbios de atenção [Hyman et al., 2006].
  • Mielopatia compressiva: em pacientes com escoliose distrófica e ectasia dural, causa fraqueza, espasticidade e alteração da marcha.
  • Neurofibromatose segmentar: forma mosaica com manifestações assimétricas focais.

2.3 Complicações Ortopédicas e Musculoesqueléticas#

A escoliose distrófica é o principal marcador musculoesquelético da NF1, com:

  • Curva curta, angular e rígida, geralmente torácica.
  • Alterações vertebrais: hemivértebras, hipoplasia, fusões assimétricas e scalloping posterior.
  • Deformidades associadas: displasia tibial anterior, pseudoartrose congênita, assimetria pélvica.

Essas alterações causam restrição biomecânica axial, dor crônica e instabilidade postural. Nos casos graves, resultam em redução funcional e deficiência física permanente (Laudo médico — Guilherme Portella).


2.4 Comprometimento Respiratório e Cardiovascular#

O envolvimento torácico da escoliose distrófica compromete a mecânica ventilatória, com:

  • Padrão restritivo e obstrutivo misto em espirometria, com redução da capacidade vital (Prova de Função Pulmonar — Espirometria).
  • Hipoventilação alveolar crônica e infecções respiratórias recorrentes.
  • Alterações do eixo diafragmático e da complacência torácica.

Complicações cardiovasculares:

  • Hipertensão renovascular (estenose da artéria renal).
  • Feocromocitoma e crises hipertensivas paroxísticas.
  • Estenoses e aneurismas arteriais congênitos, especialmente em artérias subclávia e carótida interna [Oderich et al., 2007].

Essas manifestações refletem a fragilidade vasculoneural sistêmica da NF1.


2.5 Alterações Metabólicas e Endócrinas#

A NF1 associa-se a osteopenia e osteoporose precoce, com redução da densidade mineral óssea em até 50% dos pacientes [Kuorilehto et al., 2005].

Mecanismos envolvidos:

  • Disfunção osteoblástica por deficiência de neurofibromina.
  • Alterações hormonais sistêmicas e metabólicas.

Outros achados incluem:

  • Baixa estatura, atraso puberal e resistência insulínica em subgrupos.
  • Distúrbios endócrinos secundários à compressão hipotalâmica.

3. Discussão#

A NF1 transcende a definição de doença genética isolada, configurando uma síndrome multissistêmica de alta morbidade.

A via RAS/MAPK constitui o elo patogênico entre neoplasias, displasia óssea e distúrbios metabólicos [Ratner & Miller, 2015; Riccardi, 1992].

A escoliose distrófica, quando associada à ectasia dural e neurofibromas plexiformes, agrava o risco de mielopatia compressiva e insuficiência ventilatória restritiva, perpetuando um ciclo de deterioração funcional.

O manejo clínico deve basear-se em:

  • Monitoramento seriado por imagem.
  • Terapias alvo (inibidores de MEK).
  • Reabilitação integrada e fisioterapia contínua.

Evita-se abordagem cirúrgica quando há alto risco neurológico ou estrutural.


4. Conclusão#

A NF1 associada à escoliose distrófica grave representa uma condição de alta complexidade clínica e fisiopatológica, predispondo a múltiplas comorbidades tumorais, neurológicas, ortopédicas e sistêmicas.

O paciente apresenta risco aumentado de:

  • MPNST e gliomas ópticos.
  • Comprometimento neurológico progressivo e insuficiência ventilatória crônica.
  • Osteopenia, dor crônica e deficiência física permanente.

O tratamento deve priorizar abordagem multidisciplinar, com ênfase em preservação funcional, controle tumoral e qualidade de vida, incorporando:

  • Vigilância por imagem (RM e WBMRI).
  • Acompanhamento respiratório e ortopédico.
  • Fisioterapia e suporte psicossocial.

A compreensão dessas predisposições secundárias é essencial tanto para o manejo clínico individualizado, quanto para o avanço científico em genopatias complexas e o ensino em nível de pós-graduação.


Referências#

  1. Ferner RE, Huson SM, Thomas N, et al. Guidelines for the diagnosis and management of individuals with NF1. J Med Genet. 2007;44:81–88.
  2. Tsirikos AI. Scoliosis in neurofibromatosis type 1: an update. J Bone Joint Surg Br. 2012;94-B(11):1458–1466.
  3. Evans DG et al. Malignant peripheral nerve sheath tumours in neurofibromatosis 1. J Med Genet. 2012;49:135–139.
  4. Hyman SL, Shores A, North KN. The nature and frequency of cognitive deficits in children with NF1. Neurology. 2006;65:1037–1044.
  5. Kuorilehto T et al. Reduced bone mineral density and altered bone metabolism in NF1. J Bone Miner Res. 2005;20(5):830–836.
  6. Ratner N, Miller SJ. A RASopathy gene commonly mutated in cancer: the neurofibromatosis type 1 tumour suppressor. Nat Rev Cancer. 2015;15(5):290–301.
  7. Oderich GS et al. Vascular abnormalities in NF1: spectrum, management, and outcome. J Vasc Surg. 2007;46:475–484.
  8. Riccardi VM. Neurofibromatosis: Phenotype, Natural History, and Pathogenesis. Johns Hopkins Univ Press; 1992.