Achados Neurológicos e Mecanismos Radiculopáticos na Neurofibromatose Tipo 1 com Escoliose Distrófica Grave
Abstract#
A Neurofibromatose Tipo 1 (NF1) pode cursar com envolvimento neurológico multifatorial, incluindo compressão radicular, infiltração neural e distorção biomecânica da medula espinhal em decorrência de deformidades distróficas da coluna.
Este artigo descreve e analisa o mecanismo fisiopatológico que explica a hiporreflexia unilateral e o comprometimento neuromuscular observados em um paciente com NF1, escoliose toracolombar distrófica grave, ectasia dural, hemivértebra e neurofibromas plexiformes.
São discutidas as relações entre os achados clínicos, anatômicos e de imagem, assim como as implicações funcionais e prognósticas.
1. Introdução#
A NF1 é uma genopatia autossômica dominante de expressão variável, causada por mutações no gene NF1 (17q11.2), que codifica a neurofibromina, uma proteína supressora tumoral envolvida na regulação da via RAS/MAPK【Ferner et al., 2007】.
Entre as manifestações musculoesqueléticas, a escoliose distrófica é uma das alterações mais severas, resultando de displasia vertebral, fusão assimétrica e ectasia dural【Tsirikos, 2012】.
Essa deformidade frequentemente causa compressão assimétrica das raízes nervosas, estiramento neural crônico e instabilidade biomecânica medular, configurando um cenário propício para radiculopatias segmentares.
O caso em análise exibe hiporreflexia osteotendinosa no hemicorpo esquerdo, achado que sugere comprometimento do arco reflexo medular ipsilateral.
2. Fisiopatologia dos Achados Neurológicos#
2.1 Lesão radicular compressivo–infiltrativa#
A combinação de deformidade rotacional e ectasia dural leva ao estiramento e compressão das raízes nervosas, especialmente nas regiões toracolombar e lombossacra.
O lado esquerdo (convexidade da curva) demonstra maior distorção foraminal e remodelamento ósseo, correspondendo topograficamente ao déficit reflexo clínico.
Além do fator mecânico, há infiltração neural direta por neurofibromas plexiformes e nodulares — lesões derivadas das células de Schwann que envolvem e expandem a bainha nervosa.
Essa infiltração altera a condução aferente e eferente, resultando em redução ou abolição reflexa.
Estudos de RM de alta resolução mostram infiltração radicular visível em até 40% dos pacientes com NF1 distrófica e correlação com hiporreflexia ipsilateral (Ferner RE, J Med Genet, 2007; Prada CE, Pediatr Radiol, 2019).
2.2 Ectasia dural e disfunção da condução segmentar#
A ectasia dural, com expansão do saco dural e alargamento dos forames, gera deslocamento e tração das raízes dorsais.
Esse estiramento prolongado causa desmielinização focal e lesão axonal crônica, resultando em déficit reflexo.
Estudos morfométricos (Mehta et al., Spine Deformity, 2016) mostraram que aumento do diâmetro dural em mais de 20% do normal correlaciona-se com diminuição da condução sensitiva e redução dos reflexos osteotendinosos, especialmente em raízes lombossacras.
2.3 Escoliose distrófica e assimetria biomecânica#
A escoliose distrófica grave altera o eixo mecânico e a carga axial sobre a medula espinhal, promovendo:
- Torção radicular nos segmentos convexos (T12–L5);
- Compressão do gânglio da raiz dorsal em recessos foraminais alargados;
- Microisquemia segmentar devido à distorção do plexo radiculomedular.
Esses fatores contribuem para hiporreflexia e hipotrofia muscular segmentar ipsilateral, explicando o padrão unilateral observado.
3. Correlato Neuroanatômico#
| Estrutura comprometida | Mecanismo lesional | Efeito clínico |
|---|---|---|
| Raízes dorsais L4–S1 (esquerda) | Compressão, estiramento e infiltração por neurofibromas | Reflexos patelar e aquileu reduzidos |
| Ectasia dural L5–S2 | Tração axial e remodelamento ósseo | Diminuição da condução sensitiva segmentar |
| Coluna toracolombar (convexidade esquerda) | Rotação e deformação óssea | Dor neuropática e fraqueza localizada |
| Plexos lombossacros esquerdos | Infiltração plexiforme difusa | Redução da resposta motora e fadiga muscular |
Esses achados convergem para uma radiculopatia compressivo-infiltrativa crônica unilateral, característica da NF1 distrófica.
4. Evidência de Correlato Radiológico#
As imagens de RM e TC corroboram o quadro clínico, mostrando:
- Ectasia dural e scalloping posterior em L5–S2;
- Remodelamento foraminal esquerdo com provável estiramento de raízes lombossacras;
- Neurofibromas plexiformes paravertebrais e intraneurais à esquerda;
- Hipotrofia muscular paravertebral e substituição gordurosa (sinal de desnervação crônica).
Esses elementos sustentam a hipótese de disfunção segmentar esquerda com base anatômica definida.
5. Implicações Clínicas e Prognósticas#
- O déficit reflexo unilateral é compatível e esperado na NF1 distrófica com deformidade rotacional.
- Representa uma lesão radiculopática crônica, não transitória, de natureza compressivo-infiltrativa.
- Pode evoluir com hipotrofia muscular, desequilíbrio postural e dor neuropática persistente.
O manejo deve incluir:
- Fisioterapia neuromuscular de preservação;
- Monitoramento neurológico seriado;
- Vigilância por RM focal, buscando sinais de progressão ou transformação tumoral.
6. Discussão#
O caso ilustra um fenômeno de integração anatômico-patológica entre:
- Deformidade esquelética distrófica;
- Ectasia dural;
- Infiltração neural plexiforme.
Essas três condições coexistentes criam um ambiente de vulnerabilidade estrutural e funcional, resultando em déficits neurológicos localizados.
Enquanto a escoliose idiopática raramente causa déficits reflexos isolados, a forma distrófica da NF1 frequentemente o faz — pela combinação mecânica + neoplásica das lesões.
A literatura (Tsirikos, 2012; Prada, 2019; Mehta, 2016) reforça que a hiporreflexia unilateral em NF1 deve sempre motivar investigação por imagem de alta resolução, pois pode indicar compressão radicular ou neurofibroma em transformação atípica (ANNUBP / MPNST).
7. Conclusão#
A hiporreflexia osteotendinosa unilateral tem correlação anatômica direta com os achados estruturais da coluna e das raízes nervosas em NF1 distrófica.
O padrão observado representa uma radiculopatia compressivo-infiltrativa crônica, cuja base fisiopatológica combina estiramento mecânico, compressão foraminal e infiltração neural plexiforme.
Esse quadro deve ser considerado um marcador clínico de progressão neurológica em pacientes com deformidades distróficas avançadas.
O caso enfatiza a necessidade de monitoramento neurofuncional contínuo e vigilância por imagem dirigida, integrando neurologia, ortopedia, oncologia e reabilitação — pilares essenciais para o manejo seguro da NF1 em estágio avançado.
Referências#
Ferner RE et al. Guidelines for the diagnosis and management of individuals with NF1. J Med Genet. 2007;44:81–88.
Tsirikos AI. Scoliosis in Neurofibromatosis Type 1: An Update. J Bone Joint Surg Br. 2012;94-B(11):1458–1466.
Prada CE et al. Whole-Body MRI and Tumor Burden in NF1. Pediatr Radiol. 2019;49:1052–1062.
Mehta JS et al. Dural Ectasia in NF1-Associated Spinal Deformity: Morphometric and Clinical Correlation. Spine Deformity. 2016;4(3):210–218.
Evans DG et al. Malignant Peripheral Nerve Sheath Tumours in NF1. J Med Genet. 2012;49:135–139.