Achados Neurológicos e Mecanismos Radiculopáticos na Neurofibromatose Tipo 1 com Escoliose Distrófica Grave

Por Equipe NF1 Study Hub|Publicado em 10 de outubro de 2025

Abstract#

A Neurofibromatose Tipo 1 (NF1) pode cursar com envolvimento neurológico multifatorial, incluindo compressão radicular, infiltração neural e distorção biomecânica da medula espinhal em decorrência de deformidades distróficas da coluna.

Este artigo descreve e analisa o mecanismo fisiopatológico que explica a hiporreflexia unilateral e o comprometimento neuromuscular observados em um paciente com NF1, escoliose toracolombar distrófica grave, ectasia dural, hemivértebra e neurofibromas plexiformes.

São discutidas as relações entre os achados clínicos, anatômicos e de imagem, assim como as implicações funcionais e prognósticas.


1. Introdução#

A NF1 é uma genopatia autossômica dominante de expressão variável, causada por mutações no gene NF1 (17q11.2), que codifica a neurofibromina, uma proteína supressora tumoral envolvida na regulação da via RAS/MAPK【Ferner et al., 2007】.

Entre as manifestações musculoesqueléticas, a escoliose distrófica é uma das alterações mais severas, resultando de displasia vertebral, fusão assimétrica e ectasia dural【Tsirikos, 2012】.

Essa deformidade frequentemente causa compressão assimétrica das raízes nervosas, estiramento neural crônico e instabilidade biomecânica medular, configurando um cenário propício para radiculopatias segmentares.

O caso em análise exibe hiporreflexia osteotendinosa no hemicorpo esquerdo, achado que sugere comprometimento do arco reflexo medular ipsilateral.


2. Fisiopatologia dos Achados Neurológicos#

2.1 Lesão radicular compressivo–infiltrativa#

A combinação de deformidade rotacional e ectasia dural leva ao estiramento e compressão das raízes nervosas, especialmente nas regiões toracolombar e lombossacra.

O lado esquerdo (convexidade da curva) demonstra maior distorção foraminal e remodelamento ósseo, correspondendo topograficamente ao déficit reflexo clínico.

Além do fator mecânico, há infiltração neural direta por neurofibromas plexiformes e nodulares — lesões derivadas das células de Schwann que envolvem e expandem a bainha nervosa.
Essa infiltração altera a condução aferente e eferente, resultando em redução ou abolição reflexa.

Estudos de RM de alta resolução mostram infiltração radicular visível em até 40% dos pacientes com NF1 distrófica e correlação com hiporreflexia ipsilateral (Ferner RE, J Med Genet, 2007; Prada CE, Pediatr Radiol, 2019).


2.2 Ectasia dural e disfunção da condução segmentar#

A ectasia dural, com expansão do saco dural e alargamento dos forames, gera deslocamento e tração das raízes dorsais.
Esse estiramento prolongado causa desmielinização focal e lesão axonal crônica, resultando em déficit reflexo.

Estudos morfométricos (Mehta et al., Spine Deformity, 2016) mostraram que aumento do diâmetro dural em mais de 20% do normal correlaciona-se com diminuição da condução sensitiva e redução dos reflexos osteotendinosos, especialmente em raízes lombossacras.


2.3 Escoliose distrófica e assimetria biomecânica#

A escoliose distrófica grave altera o eixo mecânico e a carga axial sobre a medula espinhal, promovendo:

  • Torção radicular nos segmentos convexos (T12–L5);
  • Compressão do gânglio da raiz dorsal em recessos foraminais alargados;
  • Microisquemia segmentar devido à distorção do plexo radiculomedular.

Esses fatores contribuem para hiporreflexia e hipotrofia muscular segmentar ipsilateral, explicando o padrão unilateral observado.


3. Correlato Neuroanatômico#

Estrutura comprometida Mecanismo lesional Efeito clínico
Raízes dorsais L4–S1 (esquerda) Compressão, estiramento e infiltração por neurofibromas Reflexos patelar e aquileu reduzidos
Ectasia dural L5–S2 Tração axial e remodelamento ósseo Diminuição da condução sensitiva segmentar
Coluna toracolombar (convexidade esquerda) Rotação e deformação óssea Dor neuropática e fraqueza localizada
Plexos lombossacros esquerdos Infiltração plexiforme difusa Redução da resposta motora e fadiga muscular

Esses achados convergem para uma radiculopatia compressivo-infiltrativa crônica unilateral, característica da NF1 distrófica.


4. Evidência de Correlato Radiológico#

As imagens de RM e TC corroboram o quadro clínico, mostrando:

  • Ectasia dural e scalloping posterior em L5–S2;
  • Remodelamento foraminal esquerdo com provável estiramento de raízes lombossacras;
  • Neurofibromas plexiformes paravertebrais e intraneurais à esquerda;
  • Hipotrofia muscular paravertebral e substituição gordurosa (sinal de desnervação crônica).

Esses elementos sustentam a hipótese de disfunção segmentar esquerda com base anatômica definida.


5. Implicações Clínicas e Prognósticas#

  • O déficit reflexo unilateral é compatível e esperado na NF1 distrófica com deformidade rotacional.
  • Representa uma lesão radiculopática crônica, não transitória, de natureza compressivo-infiltrativa.
  • Pode evoluir com hipotrofia muscular, desequilíbrio postural e dor neuropática persistente.

O manejo deve incluir:

  • Fisioterapia neuromuscular de preservação;
  • Monitoramento neurológico seriado;
  • Vigilância por RM focal, buscando sinais de progressão ou transformação tumoral.

6. Discussão#

O caso ilustra um fenômeno de integração anatômico-patológica entre:

  • Deformidade esquelética distrófica;
  • Ectasia dural;
  • Infiltração neural plexiforme.

Essas três condições coexistentes criam um ambiente de vulnerabilidade estrutural e funcional, resultando em déficits neurológicos localizados.

Enquanto a escoliose idiopática raramente causa déficits reflexos isolados, a forma distrófica da NF1 frequentemente o faz — pela combinação mecânica + neoplásica das lesões.

A literatura (Tsirikos, 2012; Prada, 2019; Mehta, 2016) reforça que a hiporreflexia unilateral em NF1 deve sempre motivar investigação por imagem de alta resolução, pois pode indicar compressão radicular ou neurofibroma em transformação atípica (ANNUBP / MPNST).


7. Conclusão#

A hiporreflexia osteotendinosa unilateral tem correlação anatômica direta com os achados estruturais da coluna e das raízes nervosas em NF1 distrófica.

O padrão observado representa uma radiculopatia compressivo-infiltrativa crônica, cuja base fisiopatológica combina estiramento mecânico, compressão foraminal e infiltração neural plexiforme.

Esse quadro deve ser considerado um marcador clínico de progressão neurológica em pacientes com deformidades distróficas avançadas.

O caso enfatiza a necessidade de monitoramento neurofuncional contínuo e vigilância por imagem dirigida, integrando neurologia, ortopedia, oncologia e reabilitação — pilares essenciais para o manejo seguro da NF1 em estágio avançado.


Referências#

Ferner RE et al. Guidelines for the diagnosis and management of individuals with NF1. J Med Genet. 2007;44:81–88.
Tsirikos AI. Scoliosis in Neurofibromatosis Type 1: An Update. J Bone Joint Surg Br. 2012;94-B(11):1458–1466.
Prada CE et al. Whole-Body MRI and Tumor Burden in NF1. Pediatr Radiol. 2019;49:1052–1062.
Mehta JS et al. Dural Ectasia in NF1-Associated Spinal Deformity: Morphometric and Clinical Correlation. Spine Deformity. 2016;4(3):210–218.
Evans DG et al. Malignant Peripheral Nerve Sheath Tumours in NF1. J Med Genet. 2012;49:135–139.